1. 01 - Sabarabuçu Braia 4:08
  2. 02 - Rio das Mortes Braia 2:53
  3. 03 - Diadorina Braia 3:53
  4. 04 - Trem do Rio Braia 3:39
  5. 05 - Quebranto Cataguá Braia 3:02
  6. 06 - Capão da Traição Braia 4:01
  7. 07 - Pai Ambrósio Braia 3:47
  8. 08 - Puizé celta, uai! Braia 3:18
  9. 09 - Tira-Couro Braia 4:50
  10. 10 - Um Besouro na Esquina Braia 4:35
  11. 11 - Tempos Idos 2021 Braia 3:33
  12. 12 - Tumbero Braia 4:14

Sobre o álbum

Este álbum teve seu embrião assim que montei meu estúdio (que inclusive batizei de Braia), foi em 2013/2014. O Fabrício virou meu parceiro aqui nas gravações e produções e eu já sabia que ele era um baterista dos bons. Como a gente que cria é muito inquieto, um dia pedi pra ele me sugerir uns ritmos, acompanhamentos percussivos para uma ideia que tive, algo bem brasileiro, mas que eu tocava no banjo com ornamentos da música irlandesa. Ficou demais! E a gente passou a brincar com outras ideias, ritmos e doideras entre uma produção e outra. Isso já era 2015.

Nessa mesma época, a gente produzia uns artistas aqui da região e um dos músicos que vinha gravar era o Anderson Silvério, baixista. Tudo que ele fazia me impressionava, sua fluidez por diversos estilos e linguagens, sua camaradagem, e principalmente sua disposição me motivou a chama-lo pra fazer este som mais brasileirado, instrumental, e que teria o nome de Tupi na Gael, já que não tiraria um dos pés da velha Irlanda que sempre foi um de meus motes inspiradores.

Pela ‘questão irlandesa’, não podia deixar de incluir também meu velho parceiro do Braia, Kernunna e Tuatha de Danann, o Alex Navar, pra fazer a gaita de fole e deixar aquele sotaque celta mais evidente no trem e, como o Rafael, também da velha guarda do Braia e do Tuatha, estava pelo Brasil e adora esses lances instrumentais eu o chamei aqui no estúdio e fluiu muita coisa massa! Rimos bastante durante as gravações e sapecamos o trem ‘de com força’ pra alcançar o melhor resultado possível: tem baião, tem samba, ijexá, uns arrancado de viola caipira, tem muita mineiridade bucólica em alguns acordes típicos do Clube da Esquina; enfim tem muito do Brasil, do mundo de cá, mas sem desprender do fantasma céltico irlandês que sempre me assombrou.

Porém, com a vida corrida, as prioridades do mundo real e material e aquela trem que todos vivenciamos no dia a dia , deixamos de lado esse trabalho por um tempo e focamos nas atividades mais imediatas e tangíveis. Até que veio a pandemia que desestruturou o mundo todo, se espalhou por toda a Terra Redonda e minou quase 100 por cento as atividades artísticas do nosso pessoal. Graças ao apoio de muitas pessoas que acreditaram e incentivaram este trabalho diretamente e depois ao aporte recebido da Lei Aldir Blanc de Minas Gerais, conseguimos os recursos para finalizar este álbum de forma digna e com a maior qualidade que podíamos imaginar. Vale dizer que tivemos a participação de meus parceiros da velha guarda do Braia e mesmo do Tuatha Edgard Brito e Giovani Gomes, o Nathan Viana também Tuatha, a Daiana Mazza que foi do Braia, o guitarrista Kiko Shred, além de meu camarada irlandês Kane O’Rourke e o grande Felipe Andreoli, meu amigo monstro baixista do Angra.

Foi aí que eu vi que este era um disco do Braia, porém, um Braia despalavrado, uma outra faceta da musicalidade deste projeto que lancei em 2007, já que mantinha aquela mesma ideia de fundir a coisa celta e a música brasileira ao rock progressivo. Se o primeiro álbum “….e o mundo de lá” tinha em suas letras referências a W.B. Yeats, James Joyce e motes do imaginário feérico celta, neste segundo trabalho “…e o mundo de cá”, os temas aludem a fatos, motes e figuras históricas e simbólicas do imaginário cultural brasileiro e principalmente mineiro. Seguem o título das músicas e algumas curiosidades sobre elas:

1 - Sabarabuçu Set

Esse era o nome que os índios davam a uma suposta montanha repleta de esmeraldas, que se tornaria uma obsessão entre os sertanistas nos fins do século XVII, especialmente Fernão Dias. No imaginário bandeirante, a serra era formada por ouro e prata e, quando avistaram a Serra da Piedade (Caeté/MG) com seu pico reluzente graças ao minério de ferro, julgaram ter encontrado a tal Sabarabuçu, pois pensavam que aquele brilho era ouro. O mito de Sabarabuçu se associa às descobertas das minas de ouro nos sertões montanhosos que vieram a ser Minas Gerais. Esta faixa é um set, uma junção de temas diversos, tocados um seguido do outro, coisa muito comum na música tradicional irlandesa. Este set tem 3 movimentos/temas: Tumba da Paz, O Louco Alferes e Tal Dia é o Batizado

TUMBA DA PAZ

“(…) a terra parece que evapora tumultos; a água exalta motins; o ouro troca desaforos; destilam liberdade os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordem os astros; o clima é tumba da paz e berço da rebelião; a natureza anda inquieta consigo, e amotinada lá por dentro, é como no inferno”

Foi assim que o Conde de Assumar, um dos primeiros governadores da Real Capitania das Minas de Ouro e dos Campos Gerais dos Cataguases, se referiu à região de Minas Gerais. A descoberta do Ouro propiciou uma rápida urbanização e uma massa migratória escandalosamente grande para a região. Ganância, violência, corrupção, além da alta tributação colonial foram ingredientes que propiciaram a formação de territórios de mando, régulos tiranos e um povo que muitas vezes se mostrou indomável ante a tirania governamental. De Nunes Viana, passando por Filipe dos Santos, Maria da Cruz, Tiradentes, Ventura Mina até o movimento COLINA, o estado mineiro pariu notórios e lendários rebeldes.

O LOUCO ALFERES

O louco alferes foi Tiradentes, Joaquim José da Silva Xavier, o mártir da Inconfidência Mineira. Nascido na Comarca do Rio das Mortes, foi o único dos Inconfidentes executado. Ao contrário do que muitos dizem, não era pobre e também não foi um bode expiatório; morreu por ter sido o único que cometeu o crime de conspirar contra a rainha publicamente. O alferes militava aonde quer que fosse: vendas, praças, chafarizes, igrejas e prostíbulos. Assumiu toda a culpa da conjura para si e não entregou nenhum dos companheiros envolvidos, pelo contrário, muitos dos tidos como heróis da Inconfidência o delataram, a ele e a todos envolvidos.

TAL DIA É O BATIZADO

Essa foi a senha escolhida pelos inconfidentes para a eclosão da revolta. A senha teria sido escolhida no casarão do Padre Toledo na vila de São José do Rio das Mortes (atual cidade de Tiradentes), por ocasião do batizado dos filhos de Alvarenga Peixoto e Bárbara Heliodora.

2 - Rio das Mortes

Além de ser nome de um rio e de uma cidade, esse foi o nome de uma região administrativa da Capitania de Minas Gerais desde sua fundação, a Comarca do Rio das Mortes. Era uma região muito extensa, que engloba hoje as regiões Sul e Sudoeste de Minas, o Campo das Vertentes, partes da Zona da Mata e parte Oeste de Minas. Uma homenagem a minha terra e a de meus ancestrais.

3 - Diadorina

Singela homenagem à personagem Diadorim, do fabuloso leitor de mundo e almas, patrimônio mundial da mineiridade: Guimarães Rosa.

4 - Trem do Rio

BOITATÁ

O tema dessa musica o Alex criou e batizou de “Boitatá”. A gente tocava essa tune como uma reel em alguns eventos, em sessions e passagens de som. Um dia, liguei pra ele e disse que fiz um samba com o Boitatá, um “sambIrish”. Ele teve um leve infarto mas, depois de ouvir, acabou adorando. Virou um samba celta, “é celta samba”! Acabamos utilizando o mesmo tema em uma canção do Tuatha de Danann, chamada ‘Turn’. A figura do Boitatá vem do imaginário indígena brasileiro e é representada como uma serpente luminosa, de fogo, que queima aqueles que incendeiam ou destroem as florestas. Um tema importante nestes dias em que as queimadas na Amazônia e Pantanal vem crescendo brutalmente.

TREM DO RIO

Outro tema que o Alex fez sem nenhuma referência harmônica e jogou na minha mão. A escolha dos acordes foi bem intuitiva e ele a chamava de Runaway Train. A gente tinha uma imagem musical na qual o acompanhamento deveria soar como uma locomotiva, um trem em movimento. Mas acabamos abrasileirando a parada metendo um ijexá no meio, que me lembrava o começo de Meia Lua Inteira, da novela Tieta. Batizamos o set de ‘Trem do Rio’, para aludir tanto à locomotiva como ao vernáculo mineiro e, ainda, de quebra, cutucar o seu criador – carioca da gema.

5 - Quebranto Cataguá

Essa música é bem antiga, composta lá pelos anos de 2008/09. Noto alguma conexão com o trabalho menos comercial do Flávio Venturini em termos de inspiração. Há um tipo de melancolia nostálgica nessa melodia, que me lembra o doer e o lutar dos muitos que tombaram e sangraram aqui, desde as descobertas das minas, passando pela escravização do índio e dos africanos que pra cá vieram. No entanto, sinto em partes da peça uma esperança maravilhada e contagiante. Fiz em homenagem a minha amada mãe: Mirian Leite.

6 - Capão da Traição

Conta-se que Capão da Traição foi um episódio da Guerra dos Emboabas. Entre 1707 e 1709, no alvorecer do hoje estado de Minas Gerais, quando o ouro era abundante e encontrado facilmente, os paulistas, que se achavam os senhores das minas, e os forasteiros (todos não oriundos de São Paulo, chamados emboabas pelos paulistas) se envolveram em uma série de conflitos que passaram à história como a Guerra dos Emboabas, tendo os paulistas Borba Gato como líder e, os emboabas, Manoel Nunes Viana. Travaram diversas batalhas: em Caeté, Ouro Preto, Sabará, Piranga, Lagoa Dourada e São João del-Rei. Os emboabas renderam os paulistas num capão de mato e lhes pediram as armas prometendo-lhes o perdão. Os paulistas entregaram suas armas, porém o chefe dos emboabas, não cumprindo o prometido, ordenou a matança – ninguém foi poupado. Há controvérsias quanto ao local em que teria ocorrido a chacina: São João del-Rei, Tiradentes ou Ritápolis. Há quem diga que o episódio seja lendário e que nunca ocorreu.

7 - Pai Ambrósio

O Rei Ambrósio era o líder de um grande quilombo, o Quilombo do Campo Grande, situado na Comarca do Rio das Mortes. Esse quilombo resistiu bravamente às investidas da coroa, e a figura de Ambrósio fez grande vulto, sendo até citado nas “Cartas Chilenas”, de Tomás Antônio Gonzaga, meio século após sua morte – o que confirma a força com que seu nome figurava no imaginário popular desde o século XVIII. A escolha de uma faixa alegre foi intencional para aludir a um tema tão delicado. Só teremos plena justiça quando houver uma plena justiça da memória.

8 - Puizé celta, uai!

Essa foi das primeiras pra este disco. Lembro que tinha essa, a Diadorina e Pai Ambrósio pra convencer os “traia” a gravar a coisa. O nome ficou esse depois de cansar de responder que tipo de música eu toco. O nome provisório dela foi 5T, pois tinha 5 temas e também aludia ao nome de minha namorada à época, que tinha 5 “tês” em seu nome.

9 - Tira-couro

Esse é o nome de uma figueira de mais de 300 anos de idade, que se encontra ainda na cidade de São Bento Abade, sul de Minas. Conta-se que, nessa árvore, os sete irmãos Silva amarraram João Garcia e o despelaram ainda vivo. Seu irmão, Januário, não atendido pela justiça vigente, jurou vingar o irmão: perseguiria os sete assassinos, a eles daria fim e, com uma orelha de cada um deles, confeccionaria um colar. Após décadas no encalço dos assassinos, Januário, a essa época já conhecido por Sete Orelhas, retornou à figueira do Tira-Couro e lá fincou seu famigerado rosário de vingança, o colar das sete orelhas.

10 - Um Besouro na Esquina

Essa é uma tentativa bifocal de homenagear duas grandes influências: os Beatles e o Clube da Esquina. É uma música alegre e que remete também ao rock progressivo de que tanto gostamos. O Rafael chegou com essa praticamente pronta. Coube a nós acrescentar as violas caipiras, pensar no groove da coisa, as guitarras e demais elementos.

11 - Tempos Idos 2021

Essa música é uma de minhas preferidas do “… e mundo de lá”. Acho que ela sintetiza bem a proposta do início do Braia, tanto que fizemos o clipe com ela. Resolvi regravá-la com enfoque na viola caipira e chamei o Giovani do Tuatha de Danann para fazer os baixos e o percussionista Artur Guidugli para fazer todas as percussões, que ficaram bem mineiras, gostei bem.

12 - Tumbero

A escravidão é, definitivamente, a principal marca constituinte da sociedade brasileira.Efeitos dessa cruel prática são ainda determinantes na estrutura de poder, inclusão e exclusão do cotidiano do povo brasileiro. Entre os séculos XVI e XIX, milhões de pessoas escravizadas foram trazidas da África para a América. Essas pessoas vinham em embarcações – os navios negreiros- cujas péssimas condições sanitárias e a escassa alimentação provida pelos empresários/traficantes de bem, muitas vezes levava os tripulantes à morte, à tumba. Seus corpos eram jogados ao mar.

Tumbero era o nome popular que esse tipo de navio recebeu, tanto pelo número de mortes que ocorriam no trajeto quanto pelo fato de essas embarcações estarem condenando aquelas pessoas à morte em vida através da escravidão. A infame, macabra e ainda presente escravidão! Neste som trazido pelo Rafael, temos o Nathan Viana tocando sax e violino e o grande guitarrista Kiko Shred destruindo na guitarra.”

Vídeos

…e o mundo de cá

Release Date : 10 de maio de 2021
Artist : Braia
Genres : Instrumental, Música Brasileira, Música Irlandesa, Rock Progressivo
Format : CD

Gravado em Varginha, entre 2015 e 2021, no Braia Studios por Fabrício Altino, Bruno Maia e Edgard Brito
Mixado e Masterizado por Thiago Okamura
Ilustrações: Carlos Arias
Design Gráfico: Rodrigo Barbieri
Produzido por Bruno Maia